domingo

Vento, esse anônimo

Sentado de costas para a janela, na velha cadeira de balanço, jogou a cabeça para trás e viu o azul esplêndido. Dias como estes eram sua mais pura lembrança. O vento frio que vinha da praia, e a praia estava longe. Se pudesse ser uma força da natureza, certamente seria vento. Gelado, mas não congelante. Um vento realmente fresco que viria do sul distante e passara por um rio nascente. Teria percorrido as terras abertas do pampa? Corrido gados, destelhado galpões, entrado pela fresta da camisa do gaúcho e lhe arrepiado os pelos do abdômen? E o gaúcho pensaria na madrezita e dispararia no lombo do animal atrás do cheiro da mãe morta. Ou talvez o vento da praia em movimento chegava ali, agora, pela janela, depois de percorrer tantos quilômetros e carregar tanta areia e mudar geografias,  mas já sem força para embalar a cadeira velha. O vento, esse anônimo, era uma lembrança que tinha. De quando não era inverno ou primavera. O entreato.  Não se lembrava dele, desse jeito, em dias nublados ou úmidos. Era preciso um céu extensamente azul. E um dia despudoradamente iluminado para fazê-lo ventar em silêncio, mas rápido. A cabeça para trás via o céu e sentia o bom frio. Invisível ali, a memória de que enquanto o vento fosse legítimo, estaria vivo. A memória que corria na velocidade da ventania, mas na direção contrária, rumo ao interior.